O mercado cripto tem muitos méritos. Trouxe inovação tecnológica, novos modelos de governança, alternativas de financiamento e, principalmente, a possibilidade de reimaginar o sistema financeiro global — ou, em uma visão mais ampla, a própria internet. Mas há um elemento estrutural que consistentemente mina parte desse potencial e, com frequência, transforma um ecossistema promissor em um verdadeiro parque de diversões, com consequências reais para os investidores: a alavancagem excessiva.
No universo tradicional das finanças (TradFi), a alavancagem existe, claro. Fundos, bancos e investidores institucionais a utilizam como instrumento estratégico — muitas vezes sob forte regulação, exigência de colaterais e supervisão constante dos órgãos competentes. Já no mercado cripto, onde o ethos é a desintermediação e a liberdade radical, o uso da alavancagem costuma ser agressivo, irrestrito e amplamente acessível a qualquer usuário com uma carteira digital e conexão à internet.
Não é raro vermos plataformas oferecendo alavancagens de 50x, 100x — ou até mais. A Aster, que é uma DEX de derivativos, por exemplo, permite até 1000x de alavancagem no bitcoin. E, ao fazer isso, essas plataformas transformam completamente a dinâmica do mercado. O incentivo deixa de ser a análise fundamentalista de longo prazo e passa a ser a aposta direcional de curtíssimo prazo. A lógica deixa de ser financeira — e vira a do cassino.
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💡 Não perca essa oportunidade no universo Web3, powered by Gotas! Esse modelo exacerba o pior do comportamento humano: ganância, euforia, pânico. E a consequência direta disso é a formação de ciclos violentos. Quando os preços sobem, traders alavancados ampliam suas posições, o que pressiona ainda mais os preços para cima — gerando um efeito de retroalimentação que acelera os ganhos e infla as bolhas.
Mas o mesmo instrumento que impulsiona o mercado nas altas se transforma numa guilhotina nas quedas. Aqui, sempre me vem à cabeça uma frase que carrego como alerta constante: “O mercado pode permanecer irracional mais tempo do que você consegue permanecer solvente.” E a dinâmica de alavancagem que descrevi acima apenas amplifica essa realidade.
É nesse ponto que emerge um dos aspectos mais destrutivos do mercado cripto: a desalavancagem forçada. Em momentos de correção, os preços despencam com velocidade. As posições alavancadas começam a ser liquidadas automaticamente pelas plataformas — muitas vezes de forma simultânea, coordenada e sem qualquer tipo de contenção. A venda forçada de ativos derruba ainda mais os preços, aciona novas liquidações, e o processo se retroalimenta.
É um ciclo vicioso, com força própria e ritmo implacável. E o mais preocupante: está longe de ser exceção. Já assistimos a esse filme diversas vezes — março de 2020, maio de 2021, o colapso da Terra-Luna em 2022 e, mais recentemente, nas quedas ocorridas em 10 de outubro e 6 de novembro de 2025. Momentos marcados não apenas por choques de preço, mas por uma mecânica de liquidação automática que impõe brutalidade aos movimentos e acentua a disfunção do mercado.
Há ainda um outro fator, pouco discutido, que agrava essa dinâmica: a profundidade de mercado — ou, mais precisamente, sua ausência em momentos críticos. Em uma conversa recente com um trader veterano da B3, que participa de comitês por lá, surgiu uma preocupação recorrente entre reguladores: a dominância de algoritmos e robôs nas ordens visíveis dos books. Embora esses sistemas garantam aparente liquidez em tempos normais, o receio é que, em cenários de estresse, essa liquidez simplesmente desapareça.
E foi exatamente isso que ocorreu no mercado cripto em 10 de outubro de 2025. Acompanhei pessoalmente, em tempo real, o comportamento dos order books de algumas das principais exchanges globais — e o que se viu foi um verdadeiro deserto. As ofertas desapareceram, os livros ficaram praticamente vazios por um tempo significativo. Sem compradores, os preços desabaram ainda mais, agravando o efeito dominó das liquidações automáticas. Era como pilotar um carro de Fórmula 1 a 300 km/h e descobrir que os freios falharam na curva mais fechada.
Portanto, o problema aqui não é apenas volatilidade — é estrutura de incentivos. Quando um mercado permite alavancagem extrema e acesso irrestrito, ele naturalmente recompensa o comportamento de risco desmedido. E com negociações contínuas, 24 horas por dia, sete dias por semana, sem circuit breakers, sem auditoria centralizada, sem limites regulatórios eficazes, o risco não apenas aumenta: ele se torna sistêmico.
Não por acaso, o mercado cripto caminha em ciclos: euforia intensa, seguida de colapsos destrutivos. E esses ciclos são acelerados por alavancagem, falta de liquidez real e ausência de freios institucionais. Em geral, os movimentos de alta ocorrem de forma gradual, com construção lenta. Mas as quedas — quando os ventos mudam e a alavancagem se inverte — são abruptas, quase verticais. É nesse momento que a racionalidade desaparece, a liquidez some e o pânico assume o controle.
Compare isso aos mercados tradicionais. Mesmo que haja bolhas — e há — os mecanismos de contenção atuam como freios de emergência. A Bolsa americana, por exemplo, tem três níveis de circuit breakers, que interrompem as negociações por minutos ou horas em caso de quedas abruptas. O mercado não funciona 24/7, e o acesso à alavancagem é, via de regra, restrito a participantes qualificados. Tudo isso cria uma camada de amortecimento. Já o cripto... é um carro de corrida sem freio.
Vale destacar que a alavancagem em si não é o inimigo. Ela pode ser uma ferramenta poderosa quando usada com disciplina e propósito. O problema é quando ela se torna parte da cultura — quando é oferecida indiscriminadamente a qualquer investidor, e quando é tratada como meio padrão de operação, e não como exceção estratégica. Isso é especialmente grave em um mercado dominado por investidores de varejo, muitos dos quais têm pouca compreensão dos riscos envolvidos.
E aqui entra uma responsabilidade que ainda está difusa no ecossistema. As plataformas de negociação cripto não são apenas intermediários neutros. Ao oferecerem alavancagem extrema, estão moldando o comportamento dos usuários. Estão incentivando uma dinâmica de curto prazo, especulativa e, no limite, autodestrutiva. É legítimo perguntar: isso é sustentável? Mais do que isso: isso é desejável?
O futuro dos criptoativos passa pela maturidade — não só tecnológica, mas também institucional e comportamental. Se quisermos ver esse mercado crescer de forma sustentável, atrair capital sério e ser parte relevante do sistema financeiro global, será preciso repensar o papel da alavancagem. Reduzi-la, regulá-la e, principalmente, entender que inovação não pode ser desculpa para imprudência.
O mercado cripto tem potencial para muito mais do que uma roleta russa. Mas, para isso, é preciso parar de girar a arma.
Abcs,
Gustavo Cunha
* Artigo publicado originalmente na minha coluna do Valor Investe em 06 de novembro de 2025
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Muito bom, aprendi muito!