Busca de um ativo LIVRE de RISCO em um fim de semana em que tudo chacoalhou
Iminente quebra do Silicon Valley bank (SVB) tira o chão de cripto; ou não?
No fim de semana de 11/mar/2023 tivemos um dos episódios mais impressionantes, e que demonstra o quanto cripto já está associado ao mercado financeiro tradicional, que eu presenciei.
No apagar das luzes da sexta-feira anterior, 10/março, um segundo banco americano beijava a lona. O banco Silvergate, no meio da semana, elegantemente avisou a todos que ele estava entrando em liquidação voluntária e que devolveria todos os valores aplicados aos seus clientes, e na sexta-feira foi a vez do Silicon Valley bank (SVB) seguir o mesmo caminho, mas de modo muito menos elegante via intervenção do FDIC (órgão semelhante do FGC brasileiro). Para os clientes do SVB isso significava que todos eles teriam seus depósitos cobertos até o valor de usd 250.000. Ok para alguns indivíduos que tinham dinheiro lá, nada para empresas na mesma situação.
Até aí, do ponto de vista de cripto, parecia uma nova crise do mercado financeiro tradicional e que até o Bitcoin poderia se valorizar por isso. Vale lembrar que o primeiro bloco do Bitcoin foi cunhado com uma mensagem referente à quebradeira de bancos em 2008.
Essa percepção veio por água abaixo quando se começou a ver que a USDC, uma das principais stablecoins de cripto e por muitos, inclusive por mim, considerada uma das mais seguras de todas, tinha parte das suas reservas de caixa no SVB. Os dados que estavam disponíveis no site da Circle eram pouco claros em relação aos valores, mas segundo os números de final de jan/2023, nas reservas do USDC havia por volta de usd 8,7 bilhões distribuídos em 9 bancos, onde figurava o SVB.
Após várias especulações, a Circle publica que tinha aproximadamente usd 3,3 bilhões desse caixa depositados no SVB e que, apesar de estar travado lá, eles estavam confiantes de que na segunda-feira teriam acesso a esses valores integralmente.
Bem, uma stablecoin como a USDC funciona segundo a lógica de que ela tenha usd 1,0 para cada usdc 1,0 emitido, líquido e de fácil acesso. É uma stablecoin 100% colateralizada. Esses usd 3,3 bilhões bloqueados iriam fazer falta para garantir esses 1:1 e daí o mercado reagiu imediatamente, levando a paridade do USDC/USD para valores próximos de 0,92, o que refletia por volta do valor percentual entre valores disponíveis (títulos líquidos + caixa) e os USDCs emitidos.
Visto que o USDC era um dos pontos de “segurança” do mercado cripto, uma stablecoin que muitos acabavam deixando seus valores para uma compra futura de outros ativos, ou até para usá-lo como forma de pagamento, esse descolamento fez com que muita gente entrasse em pânico.
E não para por aí. A permeabilidade do USDC no mercado de DEFI é imensa. Os maiores pools da Uniswap têm ele como contraparte. O próprio DAI, da Maker, uma das stablecoins tidas como descentralizadas e sobre-colateralizadas tem algo como 30% dos seus colaterais em USDC, o que fez com que ela sofresse uma queda de preço similar ao USDC, mesmo considerando um percentual de sobre-colateralização superior a 40%.
Em resumo, tudo chacoalhou.
Adorei a ilustração que o Daniel Duarte fez durante uma Live que participamos no próprio sábado: “É como se estivéssemos em um terremoto. Tudo chacoalhando. Não tem onde segurar.” Não havia lugar seguro.
Mas será que não havia, mesmo?
Até o Bitcoin, que tinha sido concebido para um cenário como esse, estava caindo consideravelmente de preço. Ethereum também não era diferente.
Esse episódio me fez refletir muito durante o fim de semana e duas linhas de raciocínio, deveras conflitantes, passavam pela minha cabeça em relação a qual seria o porto seguro nesse cenário.
Um primeiro e que muitos aqui estariam acostumados, é correr para depositar/transferir tudo para uma moeda forte e para um banco muito grande para quebrar (“too big to fail”). Na prática, converter tudo para usd e mandar para uma conta corrente em um dos 5 maiores bancos americanos. O clássico “fly to quality”. E daí era só declamar o mantra: “In FED we trust” e ficar tranquilo.
Mas se já tínhamos 2 bancos quebrados, sendo que o SVB era o 16º maior banco americano. Será que essa solução seria a melhor? No curto prazo os grandes bancos segurariam, mas será que as dúvidas em relação a uma nova emissão monetária para cobrir o buraco não seria mais prejudiciais do que a emissão em si?
Olhando cripto, eu via a rede ethereum sendo utilizada de uma maneira muito intensa, inclusive com custos de transação bastante altos, o que fez com que houvesse uma queima de tokens enorme. Ou seja, a quantidade de Ether (o token nativo da rede Ethereum) estava ficando cada vez mais escasso. E havia também o bitcoin que tem uma oferta finita e decrescente. O preço desses dois caia e todos os outros tokens acompanhavam na mesma direção em magnitudes diversas.
Agora e se ao invés de fazer dólar e mandar dinheiro para um grande banco americano eu comprasse ETH e BTC? Estaria ficando mais conservador? Eu ficaria mais tranquilo com uma carteira com esses ativos do que com o dinheiro em usd depositado em um grande banco americano?
Confesso que ainda não fechei o raciocínio sobre qual resposta eu deveria tomar como certa. A verdade é que acabei movimentando pouco a carteira e vi, como muitos, o mercado ir e voltar. E tudo bem. Tomar decisões sem muita convicção na imensa maioria das vezes gera resultados ruins.
Uma das coisas que, para frente me parece claro, é que ter aplicações em posições independentes do mercado financeiro tradicional e das moedas fiduciárias deveria ainda mais fazer parte da carteira de todo investidor. Imagina se o SVB não tivesse sido resgatado? O efeito direto em cripto era mais fácil de se observar, com a queda do USDC e possivel contágio ainda maior, o que faria com que o preço caisse ainda mais no curto prazo, mas consigo ver vários cenários onde isso se reverteria rápido.
Agora o efeito sobre todo o sistema financeiro tradicional é outra conversa. E vou além, essas decisões de salvar entidades do mercado financeiro tradicional que, de uma forma ou de outra, tomaram decisões de investimentos errada e não são/serão penalizados por isso, causa um incentivo cruel e que foi imensamente discutido em 2008. O nome disso é “moral hazard”, pelo qual se o investimento/estratégia dá certo, os louros são colhidos pelos acionistas dos bancos, agora se dá errado, o prejuízo é assumido por outros e não os acionistas/donos do banco. Um incentivo cruel e que leva a decisões de investimento péssimas e muito custosas para qualquer sociedade.
Isso sem contar o efeito decrescente dessas medidas. Assim como um viciado em drogas, cada vez a dose tem que ser maior e seu efeito é menor. Mas seguimos no “In FED we trust”, até que não.
Por fim, gostaria de ouvir um pouco de vocês. O que fariam? Faz sentido o que estou pensando? Consegue definir o melhor caminho dentre os dois que coloquei? Algo que tenha te vindo à cabeça após esse episódio ou ter lido esse texto?
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