🪙 Uma CBDC como o Real Digital comporta token com a privacidade do dinheiro em papel?
Uma CBDC de atacado e outra de varejo podem conviver?
O fantástico de um sistema baseado em blockchain e que temos a possibilidade de emitir vários tokens é aí a criatividade e as possibilidades são imensas.
Pensando esses dias sobre o modelo que o Banco Central do Brasil (BCB) optou para fazer o seu primeiro piloto do Real Digital, que é baseado no Real Digital para as transações entre o BCB e bancos comerciais e no real tokenizado para as transações entre os bancos e a população em geral, fiquei com uma coisa na cabeça que é uma aflição que todos os Bancos Centrais (BC) têm hoje.
Com a queda enorme de utilização de dinheiro em papel (cash) os BCs estão perdendo o contato direto com a população. O único passivo do Banco Central que é detido pela população de qualquer país é o cash. Todo o restante do dinheiro em circulação é moeda criada por bancos ou intermediários financeiros. Essa perda de acesso direto à população é um fator importante em muitas discussões dos Bancos Centrais, pois tiram graus de liberdade no desenvolvimento de políticas monetárias e deixam os Bancos Centrais mais dependentes de intermediários, fator de risco em qualquer sistema.
Dito isso, em uma infraestrutura de mercado financeiro como a do Real Digital, onde pode-se emitir vários tokens (o primeiro testado será o de um titulo do tesouro nacional) porque não poderíamos ter um emitido pelo próprio Banco Central? Como se tivéssemos uma moeda digital do Banco Central (CBDC) de atacado entre os Bancos Centrais e os bancos (CBDC-A para ficar mais fácil o exemplo), e um outro token (CBDC-B) sendo que esse poderia negociar diretamente na população.
Como o sistema seria controlado pelo BC ele poderia colocar limites para essa CBDC-B e deixá-la até anônima. Qualquer um poderia criar uma conta na Blockchain do BC e receber CBDC-B nela. Seria anônimo e um dinheiro diretamente do BC. Guardaria similaridades com o dinheiro em papel no que tange ao anonimato e livre movimentação.
As vantagens disso é que poderia facilitar operações offline, englobaria a necessidade de alguns agentes de ter privacidade quase total de algumas transações e daria acesso ao BC direto à população sem intermediário. As preocupações residem em para que será usado essa CBDC-B. Questões como lavagem de dinheiro e combate ao terrorismo vem logo à tona, mas isso poderia ser endereçado via colocar limites de valores e periodicidade dessas transações não?
Como a ideia aqui também não é desintermediar o sistema, o volume de emissão dessa CBDC-B também não poderia ser grande para não haver migração para ela em um momento de crise bancária. Mas volto no ponto, limites de valores e periodicidade endereçariam isso.
O fato de termos carteira não identificadas (anônimas) também não vejo como um problema. A dificuldade aqui seria como efetivamente torna-las anônimas, dado que a primeira transação seria feita de uma fonte não-anônima (você pediria ao seu banco para transformar o seu dinheiro tokenizado do banco em CBDC-B e mandar para sua carteira). Seria possível usar mixers nesse cenário? Ou Zero Knowledge proveria esse anonimato tão logo a tecnologia tivesse robusta para tal?
No final das contas teríamos na mesma rede três tokens de liquidação, uma CBDC de atacado, uma moeda tokenizada e uma CBDC de varejo, sendo essa ultima restrita em valores, funcionalidade e a única a não precisar de identificação do usuário.
Pelo que tenho estudado e ouvido modelos nesse sentido estão sendo bastante discutidos para o Euro digital e também para a moeda digital britânica. A diferença, como muito bem me alertou o Marcelo DesChamps em uma das muitas conversas que temos sobre o assunto, é que no caso desses BCs a distribuição da CBDC para a população será via os bancos, sendo esses responsáveis pelo KYC, cadastro e tudo mais relativo à identificação e idoneidade de seus clientes. No caso que propus aqui não seria assim.
Marcelo também acha pouco provável algum BC ir no sentido do que propus já que isso implicaria alguns riscos reputacionais para ele. Imagina um traficante é pego com R$ 500 em CBDC-B? Independentemente do valor tem enorme chance de ser uma situação de lavagem de dinheiro. Nada diferente do que é o cash hoje, mas a distribuição desse para a população passa pelos bancos e não diretamento do BC para o cidadão. Daí até vem a proposição da Europa, que imita esse modelo na sua CBDC. Meu ponto aqui volta para o valor e funcionalidades, limitando isso, por que não? Será esse risco reputacional maior do que os benefícios de abrir um canal direto?
Esse modelo sugerido resolve de alguma forma problemas dos dois lados. Os BCs conseguem manter o contato direto com a população, agora no campo digital, e parte da população que quer privacidade em algumas transações a tem.
Apesar disso, não é uma bala de prata e, como sempre digo, sempre encontramos forma melhor de fazermos o que estamos fazendo hoje, ou em uma variação que escutei recentemente, o conhecimento tem um início, mas não um fim. Seguimos aprendendo!
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Links para seguir no assunto:
Como funcionaria o Bitcoin do governo - Opinião - InfoMoney
A digitalização do dinheiro vai tirar sua privacidade? - Opinião - InfoMoney
*texto publicado originalmente na minha coluna da infomoney em 04-abr-2023
Gustavo, você acredita que realmente será anônimo?
Muito boa as informações passadas nesse post