Muito se fala hoje em desdolarização. Governos, empresas e até indivíduos questionam se vale a pena manter tantas reservas, dívidas e contratos em dólar americano. Alem do argumento económico, o geopolítico tambem tem se intensificado — afinal, o dólar é também uma arma nas mãos dos EUA, e Trump tem deixado isso mais que explícito. Mas o que me intriga é: caso o mundo queira, é possível sair do dólar?
Aqui vou analisar uma saída de grandes volumes, tipo movimento de manada, não a vontade sua ou minha de sair. Todos os que leem aqui têm essa capacidade, dado que o volume que operam muito provavelmente não é grande o suficiente para afetar os preços do mercado. Talvez alguém que leia aqui atue em uma grande instituição e, nesse caso, tenha impacto real sobre o mercado.
Independentemente do caso, esse artigo vale para os dois, pois as repercussões são enormes. Tipo evento com pouca probabilidade, mas com impacto gigante. Não classificaria como um black swan (cisne negro), pois não vejo como uma grande surpresa, mas chega perto e com efeitos que considero similares.
Bem, mas vamos aos números. O mercado global de dívida — somando governos, empresas e famílias — superou os 315 trilhões de dólares em 2024, segundo dados do Institute of International Finance (IIF), e já passa dos 325 trilhões no momento em que escrevo. Considerando que a dívida pública americana está em torno de 37 trilhões e que famílias e empresas tenham dívidas internas em torno de 30 trilhões, o restante é emitido fora dos EUA. Desses — ou seja, emitidos fora dos Estados Unidos — temos um percentual de 60% denominados em dólar. Isso significa que há algo em torno de 150 trilhões de dólares ((315-30-37)*0,60) em passivos espalhados pelo mundo que precisam ser pagos — ou rolados — nessa moeda específica.
Isso ocorre porque o dólar é a referência de valor do mundo hoje. Uma necessidade técnica. Ele é a base do sistema de crédito global. É a moeda em que bancos emprestam, fundos investem, commodities são negociadas e contratos são precificados.
Agora imagine o seguinte cenário: governos começam a vender suas reservas em dólar para diversificar em ouro, bitcoin ou outras moedas. Empresas buscam refinanciar suas dívidas em euro ou yuan. Investidores tentam fugir do dólar comprando imóveis, terras agrícolas, ativos reais.
Parece plausível? Sim, e além da China, que já vem diminuindo a participação de títulos da dívida americana nas suas reservas, cada vez mais essa discussão está presente em empresas e países. Mas o problema que se coloca daí é: para onde migrar esse dinheiro? Essa é uma possibilidade?
Vamos pensar em termos de liquidez e profundidade de mercado. O mercado de Treasuries dos EUA, sozinho, movimenta mais de 900 bilhões de dólares por dia. O mercado de ouro físico? Gira em torno de 200 bilhões por dia. Bitcoin? Apresenta um volume negociado de aproximadamente 25 bilhões por dia. Imóveis? São ilíquidos por definição. — simplesmente não há volume de negociação suficiente para uma saída em massa de Treasuries para esses ativos.
Se usarmos outra medida — o valor de mercado total (market cap) desses ativos que poderiam servir como alternativas — a situação também não muda muito: o bitcoin está pouco acima dos 2 trilhões de dólares, enquanto o ouro supera ligeiramente os 20 trilhões.
Em outras palavras: o mundo não comporta uma migração em massa para outros ativos sem provocar distorções violentas de preços.
Além disso, reestruturar 150 trilhões de dólares em dívidas não é trivial. Os contratos foram feitos em dólar. Há cláusulas legais, exposição cambial, risco jurídico. Mesmo que novas emissões comecem a vir em outras moedas — como já ocorre em pequena escala com o yuan ou o euro —, o estoque é massivo e de difícil digestão.
Não se trata apenas de sair de uma moeda. Trata-se de reestruturar a engrenagem inteira do crédito global. E, no curto prazo, essa engrenagem simplesmente não roda sem dólar.
Portanto, mesmo que o desejo exista — e ele existe —, a capacidade real de executar essa mudança estrutural é limitada. O mercado é grande demais, a liquidez dos ativos alternativos é pequena demais, e os riscos de uma saída desordenada são enormes.
Lembrei agora de uma frase que se falava muito no Brasil na década de 90, quando se discutia muito sobre colocar barreiras para a saída de capitais, que era: o vento só entra por janela onde ele também pode sair. Uma alusão à ideia de que, se fossem colocadas barreiras de saída, nenhum dinheiro entraria.
Aqui a situação é um pouco diferente, pois não há exatamente barreiras, mas sim uma porta de saída que é pequena demais para todos saírem — e ninguém fica confortável em uma festa assim. Se está, é porque não entendeu direito o risco ou tem razões para acreditar que a música dessa festa está muito longe de acabar. A segunda hipótese está cada vez mais difícil de acreditar, e quanto à primeira, sempre haverá alguém para pagar a conta. Espero que não seja nenhum de nós que leu isso!
Abraços,
Gustavo Cunha
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