Em uma conversa recente com o Vasarhelyi, CIO da BLP Crypto, discutimos brevemente sobre o futuro da moeda e de que há cenários, bastante prováveis inclusive, de que em breve a moeda não exista mais. E isso foi o ponto de partida para essa o texto que se segue.
A moeda tem três características principais (unidade de conta, reserva de valor e meio de troca). Ambas as características são importantes e cumprem seu papel no mundo em que vivemos hoje, e talvez a melhor forma de se analisar isso é olhar para cada uma dessas característica e ver como elas podem ser afetadas pelo desenvolvimento tecnológico que temos hoje. Vamos a elas.
💲 Meio de troca
É a mais fácil de se antever o que acontecerá porque isso já está em curso. Quem conhece cripto e já utilizou a Uniswap, por exemplo, pode atestar isso.
A Uniswap criou um mecanismo de troca de tokens conhecido como AMM (automated market maker) através do qual é possível se trocar de maneira fácil tokens por tokens, quaisquer que sejam eles. Diferentemente dos books de ordens das corretoras e bolsas tradicionais, onde se você quiser vender a sua ação da Vale para comprar Petrobrás você tem que fazer duas operações: uma de venda de Vale por Reais e outra de compra de Petrobras por Reais. Com um mecanismo como o utilizado pela Uniswap você trocaria diretamente Vale por Petrobras, sem ter que triangular por Reais. Não preciso me estender para você entender que a moeda, aqui no caso Reais, se tornou desnecessário nessa transação, certo?
Curioso que em alguns segmentos de mercado isso já acontece de alguma forma, mas a liquidação acaba sendo via a moeda corrente. Um exemplo disso é o preço de terra nas áreas de produção de soja e milho do Brasil, onde o preço do alqueire é contado em sacos de soja e não reais. Mas aí já estamos falando de outra característica que é a de unidade de conta. A liquidação ainda é via reais.
Reais, diga-se de passagem e como toda moeda fiduciária, tem curso forçado no Brasil. Você é obrigado a aceitá-lo e transacionar via ele mesmo que ambas as partes não queiram. O Estado tem o poder de obrigar isso e que já endereçaremos a seguir. Vamos agora a unidade de conta.
💲Unidade de conta
Essa é uma característica que tenho mais dúvidas do que acontecera. Ter uma base única de preço de tudo facilita muito a nossa percepção do mundo. Agora isso tem que ser moeda? Não pode ser sacos de soja? Ou até bitcoin? O que seria ideal é vermos o mundo em termo de preço em relação ao que recebemos ou temos. Se somos produtores de soja, é ótimo ter sacos de soja como base de preço de tudo (terra, carros, leite etc.). Isso vale se somos pagos em dólares e temos dólares como base de preço de tudo o que gastamos. Porque seria diferente se recebêssemos em bitcoin ou ether?
Mas daí a complicação é que cada um veria o mundo com seu referencial e não haveria um referencial único. Sim, verdade. Mas esse referencial único é mesmo necessário? Para que? E vou além, tem que ser ele controlado pelo Estado?
💲Reserva de valor
Essa é fácil. Moeda fiduciária é, por definição, afetada por um bichinho bastante perverso que se chama inflação. Ter ela parada no colchão nas últimas décadas foi muito provavelmente o pior investimento possível, mesmo considerando que durante a década de 2010 tivemos vários anos de deflação em várias moedas.
Além disso, o fato de a moeda estar atrelada à credibilidade do Estado que a emite também não ajuda na imensa maioria dos casos. Qual Estado você apostaria que estaria aí em 50 anos? E em 100?
Bem, se todas as 3 características da moeda nos mostram que ela não será mais necessária em um futuro bastante próximo qual o impacto disso?
Pergunta de trilhões de dólares (ou de sacos de soja ou bitcoins 😎) e para a qual não tenho uma única resposta. A forma de financiamento e estruturação de todos os Estados atualmente depende de uma moeda. Ela faz parte do que chamamos de soberania nacional e todos os Estados do mundo almejam emitir tem sua própria moeda.
O ganho de senhoriagem, como é conhecido em economia, e que vem da diferença entre o custo de “impressão” da moeda vis a vis o seu valor “impresso”, é uma das grandes fontes de financiamento dos Estados atualmente e renunciar a isso é um custo imenso para eles e para a forma de estruturação das nossas sociedades.
Além disso, como fará o Estado se quisermos pagar imposto para ele em sacos de soja? Utilizaria ele uma “uniswap” para transformar isso no que quisesse? Por que não seria bitcoin a base de contabilidade desse Estado?
Um exemplo curioso, que também foi mencionado nessa minha conversa com o Vasarhelyi, é o de El Salvador. País pequeno da América Central, que não tinha moeda, utilizava o dólar americano como sua moeda, e que há alguns anos migrou para ter o bitcoin como sua moeda. Para ele sinceramente tanto fazia o referencial, certo? Usar dólar, Euro ou bitcoin dava na mesma. Todas as moedas externas e fora do seu controle. A diferença talvez seja a previsibilidade e o fato de estar atrelado a uma moeda inflacionaria (dólar, euro) ou não-inflacionaria (bitcoin). Um experimento a ser acompanhado.
Uma outra discussão interessante é que após Bretton Woods, na década de 70, muitos países começaram a seguir modelos econômicos de agregados monetários, controlando a oferta e demanda de moeda, o que trazia uma grande volatilidade de crescimento para economia. Períodos de grande expansão e grande depressão, eram uma constante. O que se seguiu foram modelos que davam isso como endógeno e modelos de controle da inflação prosperaram e são os mais utilizados até hoje. Estamos perto de uma nova mudança nesse sentido? Estariam os modelos de controle inflacionário ultrapassados? Qual o próximo modelo econômico que o mundo seguirá?
Bem finalizo talvez com mais dúvidas do que iniciei esse texto, mas com uma coisa bastante clara, a de que estamos perto da moeda perder as três funções que tem e com impactos enormes na forma como todas as sociedades hoje estão estruturadas. Concorda? Ou você acredita que teremos em 50 anos o dólar e o Real ainda por aí?
Abcs,
Gustavo Cunha
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Parece haver uma confusão entre o conceito de moeda (ou padrão monetário) e o conceito de dinheiro no texto. Se mantivermos em funcionamento o Estado Nação, tal como conhecemos, a moeda ainda será de gestão do Estado. Tirando o exemplo de exceção de pequenas nações (El Savaldor) cuja produção industrial é diminuta e portanto o controle monetário não impulsiona o desenvolvimento econômico interno, ainda vejo os padrões monetários vigorando. O anunciado "fim da moeda" só virá quando houver o fim do Estado Nação.
Realmente as moedas como existem hoje mudaram algumas colapsarão e outras ganharão predominancia Ainda é um exercício de futurologia e necessário.
Eu fico pensando se veremos algumas transformações.