💵 O império do dólar: por que só temos stablecoins em USD?
Entenda as causas desse monopólio e o que ele pode estar antecipando sobre a evolução das moedas nacionais
O avanço das stablecoins nos últimos anos é inegável. Esses ativos digitais pareados a moedas fiduciárias conquistaram espaço no mundo cripto e, cada vez mais, ganham relevância nas discussões sobre o futuro do sistema financeiro. Mas um fato chama a atenção de todos que começam a analisar melhor esse ativo: a esmagadora maioria das stablecoins está atrelada ao dólar americano. Em um mundo multipolar, com grandes blocos econômicos e moedas relevantes como euro, iene, yuan e até o real, por que, no caso das stablecoins, há praticamente uma hegemonia do dólar? É sobre isso que escrevo a seguir. Vem junto!
O domínio do dólar nas stablecoins
Atualmente, mais de 99,9% do volume emitido de stablecoins está vinculado ao dólar americano. O USDT (Tether) e o USDC (USD Coin) são os grandes protagonistas desse mercado, com mais de USD 200 bilhões em circulação, o que representa mais de 90% do total de stablecoins emitidas. Se pegarmos as 10 maiores stablecoins emitidas, todas são de dólar e representam 98% do volume de stablecoins emitidas. A primeira que aparece e que não é de dólar está apenas na 16ª posição no ranking de valores emitidos: a EURC, com um valor de emissão pouco superior a USD 216 milhões (milhões, isso mesmo!).
Fonte: CoinMarketCap.com
Se analisarmos pelo lado do volume negociado, os números são ainda mais impressionantes, com as 10 maiores stablecoins representando 99,6% do volume total de stablecoins.
Mas o que torna esse dado realmente impressionante é que essa dominância do dólar nas stablecoins é desproporcional quando comparamos com o uso do dólar no sistema financeiro tradicional. Hoje, o dólar representa cerca de 50% a 60% do comércio internacional, dependendo da métrica utilizada. No mercado cambial spot, ele está presente em cerca de 88% das transações, segundo o BIS (Bank for International Settlements). Ainda assim, há espaço relevante para o euro, o iene, o yuan e outras moedas. Em nenhuma métrica conseguimos colocar o dólar com mais de 90%, enquanto, nas stablecoins, o oposto ocorre – não conseguimos encontrar métricas onde sua participação seja inferior a 95%.
Ou seja, no TradFi (mercado financeiro tradicional), o dólar é dominante — mas não hegemônico. Já no mundo das stablecoins, o dólar hoje reina praticamente sozinho. Por quê?
A moeda de reserva global — no mundo real, no digital e tambem em cripto
Uma parte da explicação está na própria natureza do dólar: ele não é apenas uma moeda de troca — é também a principal reserva de valor global.
Mais de 58% das reservas cambiais dos bancos centrais hoje estão em dólares. Petróleo e commodities são precificados em dólar. Em momentos de estresse global, investidores correm para títulos do Tesouro americano, mesmo que ofereçam retornos baixos ou negativos. O dólar é, em essência, o ativo de segurança do mundo.
Essa confiança estrutural no dólar foi transposta para o ambiente digital. Em países com risco cambial elevado, inflação persistente ou controles de capital, as stablecoins de dólar oferecem uma forma prática de preservar valor. USDT e USDC funcionam como uma espécie de conta em dólar digital que não depende de banco, agência, horário comercial ou autorização governamental.
A popularidade do USDT em países como Argentina, Turquia, Nigéria e Venezuela não é apenas sobre tecnologia — é sobre sobrevivência patrimonial. Isso cria uma demanda orgânica por dólar digital que nenhuma outra moeda consegue replicar.
Bem, mas isso explica o dólar ser o maior em TradFi e stablecoins — mas não o seu monopólio em stablecoins.
Será a eficiência dos sistemas locais de pagamento a razão de não termos stablecoins em outras moedas?
Talvez. O Brasil é o exemplo disso: com o Pix, é possível fazer transferências instantâneas, gratuitas e seguras para qualquer pessoa ou empresa, 24 horas por dia. A Índia é outro caso, com o UPI, sistema semelhante e igualmente eficiente. Em cenários como esses, não há incentivo para substituir moedas locais por versões tokenizadas. Para que alguém usaria uma stablecoin de real se o Pix já resolve o problema com maestria?
Ou seja, a falta de stablecoins relevantes em moedas como o real ou a rupia não é um sinal de fraqueza tecnológica — é, paradoxalmente, um sinal de maturidade institucional.
Isso elimina um dos casos de uso das stablecoins, que é o de pagamentos. Mas sistemas de pagamentos instantâneos eficientes como os do Brasil e da Índia estão longe de serem padrão no mundo. A Europa ainda tem grandes diferenças entre os países, o Japão — que conheço menos — nunca ouvi falar de um sistema de pagamentos instantâneos eficiente, o que tomo como sendo um caso padrão de sistema não ótimo, e os Estados Unidos, nem se fala — estão longe de ter um sistema eficiente. Ou seja, todos esses países e moedas poderiam se beneficiar de stablecoins próprias para pagamentos internos.
Stablecoins ainda são pouco usadas no comércio global
Esse fator, para mim, remete ao tempo. Por mais que a tecnologia já permita, o uso de stablecoins no comércio internacional ainda é marginal. Grandes empresas, bancos e tradings continuam operando com as estruturas tradicionais — como SWIFT e bancos correspondentes — mesmo que isso envolva fricção, demora e custos altos.
Por quê?
Porque a infraestrutura cripto ainda não se integrou plenamente ao mercado financeiro tradicional. Não basta a stablecoin existir. É preciso que os contratos comerciais, os sistemas contábeis, os gateways bancários e os compliance officers estejam prontos para usá-la como meio de liquidação. Isso ainda está longe de acontecer. E, com isso, o caso de uso das stablecoins para câmbio ainda não consegue avançar plenamente.
Além disso, a indecisão dos bancos centrais em relação às moedas digitais cria um ambiente de hesitação. Muitos BCs ainda estão decidindo se vão emitir suas próprias CBDCs (moedas digitais soberanas), se vão autorizar e regular o uso de stablecoins privadas ou se vão adotar modelos híbridos, como o do Drex no Brasil. Enquanto esse impasse persiste, o investimento institucional em stablecoins que não são atreladas ao dólar tende a ficar travado.
Aqui vale ressaltar que, no campo das stablecoins de dólar, 2025 ajudou — e muito — com os EUA deixando claro que não vão lançar uma CBDC e acelerando a regulamentação das suas stablecoins de dólar.
Teremos stablecoins de outras moedas?
A resposta não é simples, mas alguns sinais já começam a surgir. Primeiro, já existem iniciativas de stablecoins em euro (como o EUROC), algumas tentativas de emissão privada em iene e yuan, e vários experimentos com stablecoins de real — a primeira série de entrevistas que fiz sobre o assunto foi em março de 2020 e lá já tínhamos mais de três stablecoins de real sendo testadas.
Na Europa, o MiCA oferece um marco regulatório que pode incentivar emissores a atuarem com mais segurança e transparência.
Mas a verdade é que a maioria dos emissores ainda não vê incentivos econômicos suficientes para criar stablecoins de moedas menos líquidas ou menos demandadas. Sem demanda relevante, não há escala. Sem escala, não há mercado.
Enquanto isso, o dólar segue como moeda de negociação, reserva de valor e infraestrutura de liquidez digital global. Ele já era tudo isso no mundo físico. Agora, também é no digital.
Conclusão: perguntas que ainda estão em aberto
A hegemonia do dólar nas stablecoins não é um acidente. É o reflexo do poder do dólar como reserva de valor — e que foi recentemente incentivado por uma regulamentação mais clara e pró-stablecoins nos EUA. As perguntas que ficam:
Será que, com a regulamentação nos outros países avançando, teremos espaço/incentivos para stablecoins de outras moedas?
Será que os bancos centrais vão optar por CBDCs ou vão delegar a inovação às empresas privadas via Stablecoins?
Será que os países que ainda não têm sistemas de pagamentos relevantes vão construí-los com base nas stablecoins.
Será que, com uma maior integração entre blockchain e sistemas tradicionais, teremos uma proporção do dólar nas stablecoins mais similar ao que vemos hoje no TradFi?
Será que a hegemonia do dólar nas stablecoins é um fator precursor de uma hegemonia ainda maior nos próximos anos, quando TradFi e blockchain estiverem mais integrados?
Não consigo hoje ter respostas para essas perguntas, mas vejo a importância de pensarmos sobre elas. Porque entender o papel do dólar no mundo das stablecoins é entender quem dita as regras da nova ordem financeira digital.
Abraços,
Gustavo Cunha
📚 Fontes e referências
BIS Triennial Survey 2022: https://www.bis.org/statistics/rpfx22.htm
IMF Currency Composition of Official Foreign Exchange Reserves (COFER):
https://data.imf.org/?sk=E6A5F467-C14B-4AA8-9F6D-5A09EC4E62A4
Chainalysis Crypto Adoption Index:
https://www.chainalysis.com/
European MiCA Regulation Overview: https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room/20230412IPR80130
CoinMarketCap: Top Stablecoin Tokens by Market Capitalization |
https://coinmarketcap.com/
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