Muito se comenta sobre a diferença entre preço e valor. Preço é o que você cobra, valor o que entrega. Há coisas de grande valor e baratas, assim como coisas de nenhum valor e supercaras. Essas são apenas algumas das frases que já escutei e li inúmeras vezes. Mas será isso mesmo? Valor e preço podem estar muito desalinhados? Partiu refletir sobre isso!
A primeira coisa que vem a minha cabeça nessa discussão é da minha primeira aula de microeconomia na faculdade, onde o professor começou com a pergunta do porquê o diamante valia mais do que a água. Água é essencial, diamante não. O conceito era simples, um tinha valor de uso e outro valor de troca. Um era abundante, o outro muito pelo contrário. Essa divisão para mim está no cerne da discussão entre valor e preço.
Valor em geral está associado ao valor intrínseco daquele ativo ou, em outras palavras, seu uso, sua utilidade. Água, por exemplo, tem um valor de uso imenso. Sem ela, morremos. Mas a água, em geral, tem pouco valor comercial, já que está em todo lado na maioria do mundo. Mas isso não quer dizer que não possamos agregar preço a ela. Água cristalina, engarrafada, com uma marca (branding) tem um preço muito maior do que a água que vem pela torneira. Agregou-se valor de troca a ela. Sim, já que tem toda questão de origem, controle de qualidade etc. que vem associada com a água engarrafada. Aqui se agrega valor de troca a algo que já tem um valor uso. Um exemplo claro disso é a Liquid Death, que é uma marca de água americana que consegue valores bem altos pelas suas águas.
Do outro lado, temos o diamante, que não é essencial para nossa vida, mas tem um fator de escassez e cultural importante. É um ativo escasso e que todo o mundo almeja ter. Seja por conta da cultura de se dar um diamante no pedido de casamento, seja porque é uma pedra bonita e brilhante, mundo afora o diamante é uma pedra que muitos almejam ter e, portanto, ele tem um valor de troca grande apesar de podermos discutir sobre seu valor de uso.
Bem, mas e se de um dia para noite encontrassem uma área com abundância de diamantes e que multiplicasse por 1000 a quantidade de diamantes no mundo. O que aconteceria? A resposta fácil é que o valor se manteria e seu preço cairia muito. Mas será? Será que a partir do momento que todos pudessem adquirir diamantes não haveria um fator cultural pesando no sentido de que as pessoas não iriam mais querer tê-lo? Dado que seu valor não vem pelo uso e sim pela troca, haveria uma queda também no seu valor e não somente no seu preço? Acho essa última hipótese a mais provável.
Dando um outro exemplo, que muitos “coachs” motivacionais usam, o de que temos que distinguir no nosso valor do nosso preço no mercado de trabalho, aqui a confusão continua. O nosso valor é o que somos e sabemos e produzimos e nosso preço é o como o mercado valoriza isso? Mas aqui não estamos vendo a mesma coisa de ângulos diferentes? O nosso próprio e o do “mercado”? Não será esse valor a nossa avaliação do que sabemos e o preço como o mercado avalia isso?
Aqui vale a ressalva de que o mercado de trabalho no sentido amplo está longe de ser um mercado arbitrado. Já encontrei pessoas com uma capacidade enorme de entrega e conhecimento ganhando pouco e outros que não consigo até hoje explicar como ganharam tanto dinheiro. Tem fatores como sorte, conexões e confiança que entram nessa equação e, dependendo do caso, pesam mais do que a capacidade técnica. Mas, mesmo considerando isso, se olharmos o mercado e pesquisas, conseguimos ter uma ideia do preço que pode ser cobrado por determinado serviço.
Voltando ao ponto, sob esse ângulo de valor ser a visão interna e preço a visão externa, no final das contas estamos falando da mesma coisa sob pontos de vista diferentes. De que adianta eu achar (e até ser) um mega violinista se o mercado não quer violinista e, portanto, paga pouco por isso? E de que adianta eu achar que sou um péssimo programador se o mercado valoriza muito essa minha capacidade e paga alto por isso? Ha aqui uma questão de ego, autoestima e confiança que nos afeta, mas o que isso tem a ver com a discussão de valor e preço?
Ter valor e não ter preço, de que adianta?
Posso me achar o melhor do mundo em uma determinada coisa, mas se eu não conseguir convencer as pessoas, ou melhor, o mercado disso, de que vale isso além de acariciar o meu ego?
O lado B dessa discussão é também o de colocar o mercado como o grande avaliador de tudo o que fazemos. Como se ele fosse a verdade absoluta e o grande juiz de tudo. Acho um risco enorme isso, já que esse mesmo mercado é relativamente volátil e muito influenciado por tendencias, tecnologia e comportamentos. Ficar nos ajustando a ele o tempo inteiro é uma loucura e faz com que estejamos sempre correndo atras do rabo.
Mas se o mercado não é onde conseguimos definir valor, onde é? Será que estamos fadados a uma situação em que nunca teremos valor e preço arbitrados, digo, ambos em um estado de estabilidade e igualdade? O que devemos nos preocupar mais? Nossa visão de nós mesmos (valor) ou a visão do “mercado” em relação a nós? O quão adaptáveis e mutáveis temos que ser para estamos sempre tendo valor e preço?
Dúvidas que ficam para discutirmos juntos.
Abcs,
Gustavo Cunha
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Essa discussão na ciência econômica é bem antiga, Smith criou uma teoria do valor trabalho (de onde seu prof de microeconomia extraiu a discussão entre o valor da água x diamante) e que depois foi ampliada por Ricardo. Numa sociedade de mercado, é SEMPRE o mercado quem determina o valor das coisas através do confronto mútuo de diversas mercadorias. Só adquire valor aquilo que tem valor de uso para alguém que esteja disposto (ou obrigado) a obter através de uma TROCA. Então não é a condição intrínseca do produto (ou serviço) que determina seu valor, mas sim a posição dele no mercado. Vamos a um exemplo: Eu asso um pão para consumo próprio. Apesar de ser uma atividade laboriosa, do ponto de vista econômico isso não tem valor (apenas valor de uso para mim), uma vez que esse pão não foi confrontado com outras mercadorias num mercado. À partir do momento em que produzo um excedente de pães e os levo para venda no mercado, ele vai ser confrontado com outras mercadorias e vai ter seu valor aferido. O preço, obviamente será derivado do valor, e sofrerá alterações contingentes a partir da oferta/demanda e outros fatores. O que não muda em nada a questão.
Quanto a seu questionamento sobre a importância que damos a nós mesmos e ao nosso trabalho (note que não estou chamando isso de valor) vira uma questão secundária, o mercado pouco se importa com isso. Dado essa inquietação devemos nos perguntar, a sociedade de mercado (onde praticamente tudo é mercadoria) é a melhor forma de se organizar? Ou devemos transformar mercadorias (tal como assistência médica, educação, habitação, alimentação...) em direitos universais?
Aos 21 anos eu ingressei na Xerox do Rio de Janeiro numa área de estudo de viabilidade econômica para importação de equipamentos dos EUA para o Brasil. E lá me foi dito o seguinte: “Débora, a cada 12, 16 ou 18 meses troque de função para aumentar o seu capital intelectual e valor no mercado. Isso é uma prática das big techs americanas e ao crescer na hierarquia corporativa o número de meses na função aumentava. Fazer isso tem muitos ganhos, porém tem um downside que pode “fire back”. “Humm ela é popcorn, heats up and pops out”, e na verdade graças a Deus que foi assim, porque profissionais ágeis num mundo global cheio de incertezas (VUCA) se não fez isso, está ou infeliz na função ou a se aposentar. Capacidade de absorção de conteúdo, resolução de problemas articulação e maturidade profissional tem mais valia quando o profissional traz tudo isso com muitos anos de experiência e em cargos desafiadores. Então, eu concordo com o. Maurício quando ele fala, da importância de darmos valor a nós mesmos, e eu adiciono, que é de extrema importância também ter atenção para não misturar-se com profissionais que não tem valores similares a nós. Ao amadurecermos ficamos mais exigentes e se não faz sentido, pois nos coloca infinitamente numa posição inferior ao que merecemos estar, what for? A questão valor tem um peso muito maior a proporção que galgamos anos de estrada.
Adorei o texto Gustavo. Ótimo ! And look: “it’s not about the bike“. Not at all !