💵 Uma Stablecoin para chamar de minha
Por que todo mundo está criando sua stablecoin e o que isso significa para o futuro do mercado financeiro
Assim como está ocorrendo uma enorme proliferação de blockchains, tema que tratei recentemente no texto "Uma Blockchain para Chamar de Minha", um fenômeno similar está acontecendo com as stablecoins. Toda semana, para não dizer todo dia, vejo novas stablecoins sendo criadas. De projetos mais conhecidos até iniciativas menos divulgadas, parece que todos estão lançando ou anunciando suas stablecoins.
Mas qual a razão de estarem sendo criadas tantas stablecoins? E o que faremos com essa enxurrada de opções? É sobre isso que me debruço a seguir. Vem junto!
Segundo um relatório recente da Andreessen Horowitz (a16z), as stablecoins são um dos casos de uso mais bem-sucedidos de blockchain. As vantagens de ter a representação de uma moeda fiduciária em redes blockchain vão desde pagamentos e transferências até a facilitação do câmbio entre diversas moedas.
Hoje, as duas maiores e mais consolidadas stablecoins em blockchains não permissionárias, como Ethereum, Polygon, Solanda e Tron, são a USDT (Tether) e a USDC (Circle). Ambas apresentam volumes de negociação diária e de tokens emitidos que crescem continuamente e uma das razões para a criação em massa de novas stablecoins está diretamente ligada ao modelo dessas duas.
Pegando a Tether como exemplo, no momento em que escrevo, existem aproximadamente USD 120 bilhões em USDT emitidos. Como cada token USDT corresponde a um dólar em reservas, significa que a Tether detém um valor igual ou maior em ativos no mercado tradicional. O diferencial é que esses dólares não ficam parados em contas bancárias; estão majoritariamente aplicados em títulos da dívida do Tesouro americano de curto prazo, que rendem cerca de 4,5% ao ano atualmente.
Agora façamos as contas: 4,5% ao ano sobre USD 120 bilhões geram uma receita aproximada de USD 5,40 bilhões por ano apenas com esses rendimentos. Esse modelo é extremamente lucrativo e explica parte do movimento de proliferação das stablecoins, mas nem sempre foi assim.
Quando as stablecoins foram criadas, vivíamos em um mundo de juros zero (ou próximos disso) em várias economias, incluindo os Estados Unidos. Naquela época, a receita dos emissores vinha principalmente de taxas (fees) nas operações de troca entre tokens das stablecoins e dólares. Essas receitas não eram muito grandes, o que tornava a operação deficitária ou pouco rentável. Entretanto, a elevação dos juros nos últimos anos transformou esse cenário.
Um dado impressionante é o lucro por funcionário da Tether. Segundo estimativas recentes, a empresa gera cerca de USD 30 milhões por funcionário, certamente uma das maiores do mundo, se não a maior. 🙂
Agora pensemos em países com juros mais altos, como o Brasil. Ter uma stablecoin com grande volume emitido pode ser uma fonte de receitas extraordinária. No Brasil, a taxa Selic está atualmente em 10,75% ao ano. Imagine o potencial de rendimentos com aplicações a esse nível de juros.
O curioso é que essa fonte de receita antes era quase que monopólio dos bancos, ou seja, aquele dinheiro que deixamos parado na conta corrente dos bancos eles aplicam e ficam com a receita dele. A similaridade aqui é enorme só que quem está fazendo isso são empresas de tecnologia e, muitas das vezes, não reguladas (ainda).
Quanto ao processo de criação de uma stablecoin, esse não é nada complexo. Em várias jurisdições, incluindo a Europa, já existem regras para emissão, gestão e manutenção de stablecoins. Do ponto de vista tecnológico, é ainda mais simples: cria-se um token e um mecanismo para emissão e destruição proporcional ao aumento ou diminuição do lastro. Para quem está familiarizado com ETFs, há bastante similaridade com a dinâmica de emissão e resgate no mercado primário de cotas.
Margens altas e barreiras de entrada relativamente baixas atraem rapidamente novos participantes. Se uma empresa tem uma base significativa de usuários que mantém/utiliza stablecoins de terceiros, ao até depósitos bancários, por que não emitir sua própria e capturar essa margem enorme?
Stablecoins atreladas a moedas que não o dólar, ainda são pouco representativas. Por exemplo, existem poucas emissões significativas de stablecoins baseadas no euro (EURS com $130 milhoes e EUROC com $ 95 milhoes, são as maiores), mesmo sendo uma moeda amplamente utilizada no comércio internacional.
No Brasil, temos a BRZ, com uma emissão total de aprox. R$ 12.3 milhões (mar-24), e mais recentemente a BRLA, com R$ 2.3 milhões (set-24). Se fizermos a proporção entre a quantidade de tokens emitidos dessas moedas e o PIB brasileiro, e compararmos com USDT e USDC em relação ao PIB americano, os números ilustram a disparidade. Essa diferença pode ser atribuída ao fato de que a maioria dos ativos cripto ainda tem o dólar como referência de preço, reforçando a dominância do dólar.
Além das stablecoins para blockchains abertas, há um mercado crescente em ambientes permissionados. Um dos primeiros projetos foi o JPM Coin, criado pelo JPMorgan em 2019, que já é utilizado para transações internas e entre clientes selecionados. Outras empresas também têm adotado blockchains permissionadas devido às vantagens operacionais que as stablecoins oferecem. Nesse caso, o objetivo principal não é o lucro com o lastro, mas sim a eficiência operacional, o que deve ser o caso da Stablecoin anunciada em conjunto pela Foxbit, Mercado Bitcoin, Bitso e Cainvest recentemente.
Com a multiplicação de stablecoins, surgem novos desafios, como a interoperabilidade. Hoje, exchanges centralizadas utilizam stablecoins padrão diferentes. Algumas operam com pares BTC/USDT, outras com BTC/USDC. Isso cria dificuldades para os usuários, que precisam realizar conversões antes de efetuar suas negociações, resultando em mais operações, taxas e complexidade.
Uma solução possível está nos AMMs (Automated Market Makers), como os utilizados pela Uniswap, que eliminam a necessidade de livros de ofertas. No entanto, essa abordagem resolve apenas parte do problema.
Outra frente em desenvolvimento são as CBDCs (Central Bank Digital Currencies), que nada mais são do que stablecoins emitidas por Bancos Centrais, o que elimina o risco de crédito dos emissores. Bancos centrais podem também regulamentar o mercado para garantir interoperabilidade e proteger os usuários, algo que já acontece com depósitos bancários tradicionais.
A proliferação de stablecoins ainda está em seu início e deve crescer consideravelmente. Modelos inovadores, como stablecoins que repassam parte dos rendimentos aos usuários, já começaram a surgir, transformando tokens em ativos que “pagam” juros. Abordei esse tema nesse outro artigo, caso queira se aprofundar ("Será a fusão entre moeda e juros para onde caminhamos?").
Por fim, deixo algumas perguntas: com a chegada das CBDCs, ainda haverá espaço para tantas stablecoins? Os bancos centrais vão querer capturar essas margens? Stablecoins atreladas a moedas como Euro e Real terão maior participação no câmbio global?
São questões que vale a pena acompanhar e debater. O futuro das stablecoins já está entre nós, mas ainda há muito por desvendar.
Abçs,
Gustavo Cunha
--
Seguimos em contato nos links abaixo:
FinTrender.com, YouTube, LinkedIn, Instagram, Twitter, Facebook e podcast FinTrender
--
Links utilizados para esse artigo:
https://a16zcrypto.com/posts/article/state-of-crypto-report-2024/
Top Euro Stablecoins Tokens by Market Capitalization | Crypto.com
$BRZ - Transfero – Transparency
Maiores exchanges do Brasil se unem para lançar stablecoin própria
Tether is possibly a company with the highest profit per employee
Veja USDM da Mountain Protocol que seria o USDT com yield….