🔥 A febre das tesourarias cripto
Inovação ou só mais uma forma de driblar o regulador?
Quando escrevi, em novembro de 2024, o artigo “Michael Saylor: gênio ou louco?” (disponível aqui), a MicroStrategy (hoje Strategy) era praticamente uma voz solitária. A ideia de converter a tesouraria de uma companhia em Bitcoin parecia uma excentricidade arriscada, mas com algum toque de genialidade. Mas, como costuma acontecer em mercados de inovação, o que era exceção rapidamente se tornou precedente. Pouco menos de um ano depois, assistimos a uma onda crescente de empresas de diferentes setores adotando a mesma lógica, não apenas com Bitcoin, mas também com Ethereum, Solana e até tokens mais experimentais.
O fenômeno é mais amplo do que parece à primeira vista. Empresas relativamente pequenas, com negócios originais em áreas sem nenhuma relação com cripto — como tecnologia médica, e-commerce ou design industrial — passaram a se reposicionar como verdadeiras “treasuries digitais”. A lista apenas das que detêm Bitcoin já ultrapassa 150 nomes, com Estados Unidos e Canadá liderando em número de exemplos. No caso do Ethereum, já são mais de dez companhias, sendo a BitMine — curiosamente uma mineradora de Bitcoin — a maior delas.
No Brasil, a Méliuz destacou-se como a primeira empresa listada na B3 a seguir esse caminho, transformando parte de sua tesouraria em Bitcoin e assumindo explicitamente o papel de “proxy cripto” no mercado local.
Esse movimento não surgiu do nada: essas companhias perceberam na estratégia de Saylor um verdadeiro gap regulatório e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para atender à enorme demanda institucional por exposição a ativos digitais.
O mecanismo é engenhoso. Empresas que já eram listadas em bolsa e cujo core business nada tinha a ver com finanças passaram a utilizar a estrutura criada, testada e consolidada pela Strategy. Dessa forma, conseguiram não apenas oferecer acesso a investimentos institucionais em cripto, mas também, via mecanismos de dívida, minimizar boa parte do impacto da volatilidade para os compradores dessas dívidas. Em outras palavras, para as companhias, adquirir Bitcoin diretamente traria ao balanço toda a instabilidade do ativo. Já para quem compra os papéis de dívida emitidos por essas “treasury companies”, o risco da volatilidade é absorvido em outra camada.
Esse arranjo gera implicações importantes. De um lado, constrói uma ponte entre o mercado regulado e o universo cripto: fundos, investidores institucionais e até pessoas físicas que não têm permissão — ou não querem/podem lidar diretamente com a burocracia e a volatilidade — encontram nessas empresas uma porta de entrada. De outro, levanta questões éticas inevitáveis. Até que ponto é legítimo que o valor de mercado de uma companhia de logística, varejo ou design médico passe a ser ditado não pelo desempenho de sua atividade principal, mas pelo comportamento de ativos digitais que pouco ou nada têm a ver com seu negócio? Não estariam essas empresas atuando, de fato, como proxies de fundos ou ETFs? E, nesse caso, não deveriam estar sujeitas a uma licença bancária ou a um enquadramento regulatório específico para desempenhar tal papel?
Sob a ótica do investidor, há quem defenda que não há problema algum. O mercado, afinal, é soberano. Se a empresa é transparente e apresenta relatórios claros sobre a composição de sua tesouraria, cabe ao investidor decidir se aceita ou não o risco. Nesse sentido, o movimento seria apenas uma atualização do capitalismo financeiro: assim como companhias já utilizaram derivativos cambiais, ouro ou títulos soberanos como parte de sua estratégia, agora incluem Bitcoin e Ethereum. Não custa lembrar do episódio da Sadia, em 2008, quando a exposição excessiva a derivativos cambiais levou a perdas bilionárias.
Por outro lado, também é válido o argumento de que essa prática pode abrir espaço para distorções. Quando companhias de menor porte passam a ser valorizadas quase exclusivamente por suas posições em tokens, e não pelo negócio que efetivamente operam, cria-se uma espécie de “casca listada em bolsa” — um proxy para criptoativos que pode inflar expectativas, distorcer valuations e atrair investidores desavisados. O risco aumenta quando parte dessas compras é financiada por dívidas conversíveis (i.e. alavancagem), reforçando paralelos com antigas engenharias financeiras que já vimos ruir diante dos olhos dos reguladores e do público. Um pormenor interessante aqui é que isso tudo está sendo feito em praça pública. Todos, incluindo os reguladores, estão vendo esse movimento não só ocorrendo, mas se intensificando.
Ainda assim, não se pode negar que o movimento responde a uma demanda real. Investidores buscam exposição a cripto, mas nem sempre podem ou querem obtê-la diretamente ou podem ou querem suportar sua volatilidade. Empresas, por sua vez, procuram captar recursos, diferenciar-se no mercado e ganhar relevância. A convergência desses interesses explica a rapidez com que o modelo se espalhou desde que Michael Saylor ousou pela primeira vez.
A pergunta que continua ecoando é a mesma: estamos diante de um novo paradigma de gestão de tesouraria — mais ousado, mais especulativo e alinhado à era digital — ou apenas repetindo uma velha história, em que ativos voláteis, embalados por narrativas sofisticadas, alimentam bolhas que cedo ou tarde estouram? O que isso fará com o preco do bitcoin e demais criptoativos no futuro próximos?
Michael Saylor pode ter sido chamado de gênio ou de louco. Mas, olhando o cenário de 2025, é inegável que foi pioneiro. A dúvida é se os que seguiram seu caminho terão a mesma sorte — ou se, ao contrário, acabarão lembrados como protagonistas de mais uma febre passageira nos ciclos intermináveis da especulação financeira.
Abraços,
Gustavo Cunha
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