💱 Stablecoins: de gambiarra cripto à espinha dorsal do sistema financeiro
No fim, é a eficiência — não a ideologia — que move o Sistema
* Artigo publicado originalmente na minha coluna do Valor Investe em 31 de julho de 2025
Há momentos em que o mercado cria soluções para problemas pontuais, específicos, quase operacionais — e essas soluções acabam se tornando pilares de transformação estrutural. No universo das criptomoedas, as stablecoins talvez sejam o exemplo mais emblemático dessa trajetória. Criadas para resolver uma dor de cabeça logística de um player cripto, hoje elas pavimentam o caminho para uma reconfiguração do sistema financeiro global. A ironia histórica é que, muitas vezes, aquilo que nasce para operar à margem do sistema tradicional acaba sendo absorvido — e até institucionalizado — por esse mesmo sistema. E com as stablecoins, estamos vivendo justamente esse ciclo.
O problema bancário da Bitfinex e o nascimento do Tether
Para entender a gênese das stablecoins, é preciso voltar para meados da década de 2010. A Bitfinex, uma das maiores exchanges de criptomoedas da época, enfrentava uma dificuldade recorrente: o relacionamento com bancos tradicionais. A dificuldade de manter contas bancárias estáveis, o escrutínio regulatório e o risco de bloqueios criavam um gargalo enorme na operação. Afinal, cada vez que alguém queria comprar ou vender um criptoativo com dólar, era necessário acessar o sistema bancário — uma interface frágil, lenta e sujeita a interrupções.
A resposta veio em forma de inovação: o Tether (USDT). Em vez de realizar transferências em dólar via bancos a cada transação, a Bitfinex criou (alguns dizem começou a usar, mas aqui havia uma intersecão grande entre os controladores da Exchange e da stablecoin) um token pareado 1:1 com o dólar americano. A ideia era simples, mas poderosa: enquanto o cliente permanecesse dentro do ecossistema da Exchange, ou cripto de modo geral, poderia negociar livremente utilizando USDT — e apenas quando quisesse sacar para tradifin (banco ou similar), esse USDT seria convertido em dólares. Criar e queimar o token USDT era, assim, o mecanismo que fazia a ponte entre o sistema cripto e o sistema bancário.
No entanto, essa ponte veio com suas próprias fragilidades. Desde o início, o Tether foi alvo de críticas e desconfianças quanto à sua solvência. A pergunta que ressoava no mercado era direta: havia realmente lastro em dólar para todos os tokens emitidos? Por muito tempo, a resposta foi nebulosa. Faltavam auditorias independentes, havia mudanças frequentes nos termos de serviço e uma série de processos legais colocava a estrutura do USDT sob constante questionamento.
Ainda assim, o Tether ganhou tração. Pela praticidade, pela liquidez e pela ausência de alternativas, ele se consolidou como a stablecoin dominante por vários anos. Mas sua opacidade abriu espaço para que novos modelos, mais transparentes e regulados, surgissem.
USDC: a cara limpa da estabilidade digital
É nesse contexto que nasce o USD Coin (USDC) — um projeto liderado pela Circle em parceria com a Coinbase. Diferentemente do Tether, o USDC já nasce com uma proposta de compliance integrada: auditorias regulares, publicação das reservas em dólar, estrutura legal bem definida e comunicação aberta com reguladores. Ou seja, um projeto com DNA institucional, desenhado para dialogar com o sistema financeiro tradicional desde o primeiro momento.
Essa proposta mais “limpa” do USDC encontrou eco não só entre investidores institucionais, mas também entre empresas que buscavam uma forma segura de realizar pagamentos em dólar digital, com finalização quase instantânea e sem a fricção dos bancos tradicionais. É importante notar que, embora o USDT continue sendo dominante em volume e liquidez global, o USDC conquistou a confiança de uma parte importante do mercado que demanda compliance e previsibilidade.
Pagamentos e câmbio: os casos de uso que transbordam o mundo cripto
Hoje, os dois principais casos de uso de stablecoins que surgiram no ecossistema cripto — pagamentos e câmbio — começam a impactar profundamente o sistema financeiro tradicional.
No caso de pagamentos, a vantagem é operacional. Simples assim. Fazer um pagamento com stablecoins, seja nacional ou internacional, tende a ser mais rápido, barato e prático do que pelos meios tradicionais. Um exemplo direto: para um consumidor ou empresa nos EUA, pagar por um produto usando USDC é mais simples e instantâneo do que utilizar a própria infraestrutura bancária americana, que ainda carece de um sistema de pagamentos instantâneo robusto e amplamente acessível. O mesmo vale para empresas brasileiras, asiáticas ou africanas que buscam um método de pagamento em dólar digital sem as limitações dos bancos ou do horário comercial. O PIX do Brasil e o UPI da India, estão longe de ser o padrao mundial para pagamentos e são muito, mas muito, melhores do que o que a imensa maioria dos países tem. EUA incluídos.
Além disso, stablecoins permitem pagamentos peer-to-peer com liquidação imediata, sem intermediários, sem dias úteis e sem fronteiras. Isso tem um potencial revolucionário para setores que exigem eficiência e agilidade, como e-commerce, serviços digitais e até mesmo folha de pagamento global.
Já no caso do câmbio, as stablecoins abriram caminho para uma forma prática de dolarização e hedge cambial, especialmente em economias com moedas frágeis. No entanto, esse uso ainda está concentrado em stablecoins pareadas ao dólar — e aqui surge um novo desafio: a criação de stablecoins lastreadas em outras moedas. Para que o uso de stablecoins em operações cambiais se torne verdadeiramente global e multilateral, será necessário o surgimento de ativos digitais representando moedas como euro, iene, real ou peso. Essa é uma frente que ainda engatinha, mas que promete transformar a maneira como empresas e indivíduos lidam com exposição cambial. Tema importante e que tratei recentemente no artigo sobre o porquê de termos somente stablecoins de dolar.
A história se repete: do papel-moeda ao dólar digital
Há um paralelo fascinante com a história do próprio dinheiro em papel. Nos séculos anteriores, comerciantes e banqueiros privados começaram a emitir certificados de depósito lastreados em ouro. Esses certificados funcionavam como dinheiro — eram aceitos em troca de bens e serviços — e permitiam maior fluidez nas transações comerciais. Muito mais fácil carregar um papel para o outro lado do mundo do que toneladas de ouro, não é? Inicialmente vistos com desconfiança pelos governos, esses instrumentos acabaram sendo cooptados pelo Estado, que passou a monopolizar a emissão de papel-moeda, criando os bancos centrais como conhecemos hoje.
A lógica é similar: uma solução criada no mercado privado para resolver uma fricção operacional (o transporte de ouro, no caso histórico; as transferências bancárias, no caso atual) acaba sendo reconhecida por sua eficiência — e eventualmente apropriada pelo sistema oficial. Hoje, governos discutem CBDCs (moedas digitais emitidas por bancos centrais) justamente porque entenderam o poder das stablecoins. Mas é inegável que essa discussão só existe porque Tether, USDC e outras stablecoins pavimentaram o caminho.
Conclusão: de exceção à regra
As stablecoins nasceram como um “workaround”, uma gambiarra elegante para escapar das limitações do sistema bancário tradicional. Mas, como tantas outras soluções descentralizadas, elas se provaram mais eficientes, mais rápidas e mais adaptáveis do que o modelo que tentavam contornar.
Hoje, vemos empresas, governos e instituições financeiras tradicionais estudando como incorporar — ou até competir com — essas soluções. E o movimento não deve parar por aqui. Há uma tendência clara de que stablecoins passem a ser infraestruturas críticas do mercado financeiro global, redefinindo conceitos como liquidez, tempo de liquidação e soberania monetária.
No fim, aquilo que começou como um improviso virou o centro da nova arquitetura financeira. E como a história já nos mostrou, esse é justamente o tipo de inovação que tende a ser institucionalizada. Não por ideologia, mas por pura eficiência.
Abraços,
Gustavo Cunha
--
Seguimos em contato nos links abaixo:
FinTrender.com, YouTube, LinkedIn, Instagram, Twitter, Facebook e podcast FinTrender
---
✨ Exclusividade FinTrender ✨
🚀 Garanta sua Gota Exclusiva FinTrender, totalmente GRATUITA e celebre sua conexão especial com o universo FinTrender.
➡️ Acesse Gotas.social e use o código STABLEDOMINA resgatar a sua.
💡 Não perca essa oportunidade no universo Web3, powered by Gotas!